O Recordista de Molsheim

Se falássemos o nome Bugatti aqui no Brasil décadas atrás, só antigomobilistas que conheciam a marca de prestigio francesa do começo do século passado saberiam que se tratava de uma marca de automóveis de excelência. O nome do homem que a fundou era Ettore Bugatti que nasceu na Itália em 15 de setembro de 1881.

Já na adolescência se mostrava muito interessado em mecânica e aos 17 anos fez seu primeiro estágio em uma oficina que fabricava triciclos motorizados. Nesta época, em 1898 participou de sua primeira corrida e hesitava em ser piloto ou construtor.

Seu primeiro carro foi um quadriciclo com dois motores adaptados da marca Prinetti-Stucchi onde ele estagiava. Com este ganhou uma corrida entre as cidades de Pádua e Bassano, perto de Veneza na costa do Mar Adriático.

Em 1900 se associou ao Conde Gian Oberto Gulinelli e construiu seu primeiro carro. O motor tinha quatro cilindros em linha, 3.054 cm³, câmbio de quatro marchas e transmissão por corrente. Comportava dois passageiros, pesava apenas 600 quilos e quase chegava aos 65 km/h. Pouco tempo depois, por causa deste automóvel se associou ao Barão de Dietrich e começaram a fabricar carros em Niederbronn, na Alsácia que nesta época pertencia a Alemanha.

Pouco depois se desentendeu com Dietrich e se associou a Èmile Mathis na cidade de Estrasburgo. Ambos construíram uma dúzia de carros e pouco depois Ettore estava só outra vez em seus projetos. De rara inteligência e muita ambição, apresentou para a Deutz em Colônia, na Alemanha outro protótipo. Este tinha quatro cilindros em linha e comando de válvulas no cabeçote. Denominado Tipo 8 entrou em produção, com a marca Deutz e logo evoluiu para o modelo Tipo 9. Abaixo um Bugatti Type 35 B 1928

Em 1909 Ettore Bugatti conhecia Louis Blériot, famoso aviador e amigo, que fazia suas viagens em terra a bordo de um modelo Tipo 10 e o convenceu a fabricar seus próprios carros. Neste mesmo ano, após conseguir um financiamento, a pequena cidade de Molsheim, situada a 30 quilômetros ao sul de Estrasburgo mudaria para sempre. Ali se instalaria uma das mais famosas marcas da primeira metade do século XX.

Em 1913 um de seus primeiros sucessos foi o Tipo 13, um carro muito pequeno, já com o radiador em forma de ferradura, que se tornaria sua identidade e foi desenhado por seu irmão Carlo Bugatti. O motor de quatro cilindros em linha tinha 1.327 cm³ de cilindrada, potência de 20 cavalos a 3.800 rpm e velocidade final de 90 km/h. O principal concorrente era o Bébé da Peugeot.

Com esta motorização que era muito robusta os sucessos nas pistas foram muitos. Em uma corrida de estrada, com 54 quilômetros de extensão, que no futuro seria feita uma das provas mais famosas do mundo, as 24 Horas de Le Mans chegou em segundo lugar geral atrás de um carro com potência bem maior. Mostrou eficiência, robustez, velocidade e agilidade. Nesta época os Bugatti já eram chamados de puro sangue por conta de sua excepcional performance. Mas o construtor queria um motor maior e um carro digno para este.

Em 1921 foi construído um verdadeiro motor com oito cilindros em linha porque um “pseudo” já havia sido usado no Tipo 13 dm 1912 quando dois motores de quatro cilindros foram acoplados.

Este novo propulsor tinha 2.991 cm³, formas de um paralelepípedo, três válvulas por cilindro e era alimentado por dois carburadores feitos pela própria empresa. Foi montado num esportivo denominado Tipo 28 que não foi bem sucedido. O mesmo motor teve a cilindrada reduzida a 1.991 cm³ (60 mm x 88 mm) e montado no Tipo 29, um carro com formas aerodinâmicas imitando um charuto e destinado exclusivamente às competições.

Deste nascia o Tipo 30 “civilizado” para ser vendido aos que tinham contas bancárias polpudas. Era o primeiro Bugatti com oito cilindros em linha a ser comercializado.

Tinha freios hidráulicos na frente, técnica avançada para a época e traseiros acionados por cabos, recurso muito ultrapassado. Mesmo em seus carros de luxo Ettore Bugatti era criticado quando diziam que os freios de seus carros eram péssimos. Ele respondia simplesmente que um Bugatti era feito para correr, não para frear!

O ano de 1924 seria marcado para sempre na história da empresa. Após alguns insucessos nas pistas nascia o modelo Tipo 35 que seria um dos carros mais vitoriosos da marca e de todos os tempos. Ganhou mais de 1.000 corridas, ganhou o campeonato mundial em 1926, venceu 350 corridas em diversas categorias e bateu 47 recordes mundiais. Ainda, entre 1925 e 1929 venceu todas as edições da famosa prova italiana Targa Florio.

O motor de oito cilindros em linha era refrigerado a água, com comando de válvulas no cabeçote, tinha virabrequim com cinco mancais, mantinha a cilindrada de 2.991 cm³ e desenvolvia 90 cavalos a 6.000 rpm. Era alimentado por dois carburadores da marca Solex ou Zenith. Sua velocidade final era de 145 km/h.

Sua tração era traseira, a caixa de marchas tinha quatro velocidades não sincronizadas e a alavanca ficava do lado de fora, a direita do volante. Nesta época, a maioria dos carros de corrida tinha posição de dirigir do lado direito. O motivo era permitir melhor e mais rápida saída para os boxes.

O posto de pilotagem era limitado. O volante de quatro raios podia ter aro de madeira como opcional. O painel, feito em alumínio, tinha como instrumento principal um grande conta-giros e também contava com relógio de horas, marcador de temperatura do motor, pressão de óleo e nível dos tanques de gasolina.  

Sua bela carroceria feita em alumínio, sempre pintada de azul, cor oficial da fábrica, tinha medidas compactas. Media 3,68 metros de comprimento, 1,32 de largura, 2,40 de entre-eixos e pesava apenas 750 quilos. Vista de cima tinha formato em gota o que já demonstrava preocupação com a aerodinâmica Atrás comportava dois tanques de combustível, era um bi-posto, pois na maioria das provas iam piloto e mecânico e o regulamento impunha ainda carregar pneu sobressalente que ficava no lado esquerdo da carroceria. Entre este pneu e a carroceria podia ser visto um enorme cano de descarga que tinha oito saídas do coletor de escape lateral visível mesmo com a parte do duplo capô fechado. Neste havia entradas de ar tanto na parte superior quanto nas laterais para melhorar a ventilação. Um bom cinto de couro fechava este para evitar aberturas inesperadas em altas velocidades. Tinha dois faróis circulares, o belo radiador em forma de ferradura e todos os pneus eram cobertos por para-lamas, apenas para as versões de rua, como os usados em motocicletas. O chassi era em aço com longarinas em seção quadrada. Era um belo carro e sua carroceria se tornou muito carismática. Sua suspensão dianteira tinha eixo rígido com molas semi-elípticas e braço arrastado. Atrás também tinha eixo rígido e feixes de molas. Seus quatro freios eram a tambor.

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Estreou no Grande Prêmio de Lyon em 1924 e não obteve sucesso frente aos carros com compressores como os Fiat, Sunbeam e Alfa Romeo P2 e também houve problemas com pneus. A equipe chegou ao local com 7 carros para correr e cerca de 40 toneladas de peças.

Eram os tempos de Piero Bordino, Giuseppe Campari, Achille Varzi, Louis Chiron, Georges Boillot e Felice Nazarro. As provas eram realizadas na França em Pau, Lyon e Monthléry. Mais ao sul, também em Monte Carlo e na Itália em Brescia e Targa Florio.

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Sua primeira vitória foi em Monte Mario, circuito de dez quilômetros nas proximidades de Roma. Não parou mais de ganhar e chegar ao pódio em todos os circuitos famosos da Europa.

Por causa de um dono de concessionária do sul da França, que comprou um Tipo 35 para uso próprio e em competições regionais, a difusão do pequeno esportivo foi enorme. Estavam nascendo as equipes de corridas não-oficiais e não apoiadas por fábricas. O Bugatti Tipo 35 concorria em provas por toda a Europa principalmente na França e na Itália. Por vezes compunha todo o grid de largada. Profissionais ou não, vários o pilotaram.

Uma versão de rua mais simplificada e com entre-eixos de 3,12 metros foi batizada de 35 A. Era um modelo mais acessível e menos potente.

Em 1927 foi lançada a versão 35 B (acima) , também conhecida como 35 TC (Targa-Florio – Compressor).

Esta, equipada com câmeras hemisféricas com um compressor da marca Roots, tinha 2.262 cm³ de deslocamento volumétrico e desenvolvia 135 cavalos a 5.200 rpm. Sua velocidade final era de 170 km/h um número espetacular para os anos 20.

Produzido entre 1924 e 1931, o Tipo 35 junto com o Royale, o Atalante (acima) e o Atlantique foram os mais bem sucedidos modelos da empresa. Hoje podem ser vistos no Museu da cidade de Mulhouse também na região da Alsácia francesa.  Abaixo um Bugatti Type 38 1927

Foi feita uma réplica no Brasil pela empresa Tander Car que depois passou os direitos para a L’Automobile no final dos anos 70 e principio dos anos 80.  A carroceria era muito fiel, feita em fibra de vidro e com bom acabamento. Tinha farta instrumentação e algum luxo em seu interior. Era um esportivo exclusivo e por isso muito caro chegando a rivalizar em preço aos melhores nacionais produzidos em série. Porém, não desprezando as ótimas qualidades do propulsor, que era um Volkswagen a ar, na posição traseira, este esportivo de fibra estava longe de ser digno do lendário 35 de origem francesa. Uma empresa Belga chamada Mathomobile também oferecia a réplica com motorização VW de 1,3 ou 1,6 litros.

Abaixo um mini Bugatti

E um Bugatti com peças do brinquedo Lego.

Texto, fotos e montagem Francis Castaings. Demais fotos de publicadas no site                                  

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