Pimenta Italiana – Democratizando a esportividade

A história é antiga e vem desde o tempo das bigas, ou seja, melhorar o desempenho de um veículo básico para se ter um pouco mais de aceleração e velocidade final. Torna-lo mais leve e alterar alguma coisa.

Na transgressão da América da Lei Seca com muitos gangsters que precisavam de carros mais rápidos vários mecânicos deixaram mais velozes alguns Ford, Chevrolet e Chrysler especiais. Um exemplo era o Cadillac Town Sedan pertencente ao famoso Alphonsus Gabriel Capone, mais conhecido como Al Capone. Depois dele a dupla Bonnie e Clyde também apreciaram um veículo veloz. Mas não eram só os malfeitores, pois aqueles que não estavam satisfeitos com um desempenho tranqüilo logo trataram de alterar seu automóvel. Foi assim que nasceram os primeiros trabalhos de Colin Chapman em seu Austin Sevem.














E foi também dessa forma com o genial Karl Abarth nascido na Áustria, em Viena em novembro de 1908. Dos 17 aos 19 anos trabalhou na Castagna em Milão na Itália que fazia belíssimas carrocerias e chassis para marcas famosas como Isotta Fraschini, Mercedes-Benz, Hispano Suiza, Daimler, Lancia, Duesenberg e Alfa Romeo. O jovem Karl era chamado de Carlo e fazia suas primeiras incursões em chassis e quadros de motocicletas e bicicletas.

Em 1928 voltava ao país natal e começava a competir em campeonatos nacionais de motocicletas obtendo muito sucesso o que o levou a disputar várias corridas europeias. Usou as marcas MT (Motor Thun) de origem austríaca, a Sunbeam inglesa e a FN belga. As primeiras provas disputadíssimas eram nas ruas de Viena. Sagrou-se penta campeão europeu, sua carreira ia muito bem até um acidente de consequências graves. Incursões de sucesso também foram feitas com o uso do side-car muito na moda naqueles tempos.

Em 1934 desafiou, pilotando um side-car onde estava um companheiro, o famoso e mítico trem Orient-Express. De Viena a Ostend, cidade no litoral norte da Bélgica, eram nada mais que 1.372 quilômetros. Por apenas vinte minutos perdeu a corrida contra o comboio de luxo, pois teve problemas elétricos. Depois de contabilizar os perigos das duas rodas resolveu abandonar o motociclismo. Nesta altura da vida já era um apaixonado por velocidade e por mecânica sendo profundo conhecedor. Durante o período da guerra, com o racionamento de gasolina, chegou a converter alguns motores para usar o querosene.

O destino quis e, por coincidências da vida, voltaria à Itália e encontraria o genro do grande Ferdinand Porsche, Anton Piëch. Dali nasceu uma relação com sua secretária, se casaram e Carlo se fixou definitivamente na Itália.  Escolheu a cidade de Merano esta natal de seu pai, na região de Bolzano ao norte não muito longe da fronteira do sul da Áustria. Nesta época opta pela cidadania italiana e registra-se como Carlo Abarth. A sorte estava ao seu lado, pois além do contato continuo com a família Porsche, onde assumia uma concessionária, conhecia também o grande piloto Tazio Nuvolari.

Outras boas amizades e contatos vieram a acontecer. Conhecera também o conterrâneo Rudolf Hruska que era engenheiro graduado na Universidade de Viena e já tinha trabalhado na Magirus especialista em veículos de combate a incêndio e que também havia trabalhado no desenvolvimento do sedã Volkswagen. Outro homem importante que também conheceria era Piero Dusio que já tinha sido jogador de futebol, corredor de carro e era um industrial famoso e astuto. Destas relações, Ferry Porsche, Hruska, Dusio e Abarth nasceria uma importantíssima empresa de automóveis esportivos: A Cisitalia (Consorzio Industriale Sportiva Itália) em 1944. Mais dois engenheiros jovens e de talento estavam também na empreitada: Eram Dante Giacosa, que faria belíssima carreira na Fiat e Giovanni Savonuzzi.

Abaixo um Fiat Abarth 1300 OT

Em 1947 era exibido o Grã Turismo Cisitalia 202 que era equipado com um motor Fiat com 1.098 cm³ que recebia especial dedicação de Abarth. Era uma de suas primeiras experiências com motores de baixa cilindrada e seria um especialista em fazer destes pequenos verdadeiros trunfos mecânicos.

Dois anos depois, junto com Armando Scagliarini, pai do piloto Guido Scagliarini, muito conhecido na Itália por suas façanhas, fundava sua empresa em Torino, a Abarth & C cujo emblema abrigava um fino friso com as cores da bandeira italiana e também um escorpião estilizado por causa do signo de Carlo. Seus primeiros produtos fariam logo muito sucesso. Eram cabeçotes e coletores especiais que tinham como único objetivo deixar um carro mais arisco. Junto com estes os canos de descarga e escapamentos que saíram de sua linha de montagem fariam escola. Em seu galpão trabalhavam cerca de 45 pessoas e já no primeiro ano 4.500 escapamentos foram produzidos. Um de seus clientes era a grande Ferrari.

Abaixo um Fiat Abarth 500 Record Pininfarina 1958

Também produzia para carros de série de várias marcas da Europa volantes e alavanca de marchas, mas seu produto maior eram os escapamentos que tinham uma sonoridade ímpar. Abaixo um Fiat Abarth 1000 Bialbero Record 1960

Após a falência da Cisitalia em 1949, Carlo Abarth aproveitaria algum ferramental, projetos e também carros. Ele aperfeiçoou um dos modelos e o rebatizou de 204 A. Este monoposto de boa aerodinâmica com motor dianteiro de origem Fiat tinha quatro cilindros em linha, 1.089 cm³, potência de 83 cavalos e atingia 190 km/h. O amigo e colaborador Tazio Nuvolari a bordo deste fórmula ganhou uma corrida na Sicília na cidade de Palermo tendo como parte o belo Monte Pellegrino.

Devido esta ótima e bem sucedida experiência o uso de mecânica de série e carrocerias distintas se tornaria uma especialidade da casa. Usando mecânica Fiat fabricou belos e ousados esportivos desenhados por Scaglione e Vignale. A partir destes dois modelos a pequena empresa passava a colaborar com clientes renomados como Pininfarina, Ghia, Zagato, Bertone, Boano, Allemano entre outras. No mesmo espírito que Amédée Gordini, cuja troca de nacionalidade era mais uma coincidência entre a vida destes, extraia muita potência de motores antes apáticos.

Um dos carros que elevou a Alfa Romeo no período pós-guerra foi o sedã 1900. Com o motor deste modificado para despejar 135 cavalos ante modestos 80 de série e carroceria Ghia, o esportivo foi um exercício de estilo de sucesso. O cupê misturava duas cores, era muito baixo, poucos cromados e rodas raiadas. Simplesmente lindo! 

Abaixo um Fiat Abarth 2400 carroceria Allemano coupé 1965.

Em 1956, solidificando ainda mais a imagem da empresa, Carlo Abarth, sempre usando mecânica italiana, saía em busca de recordes no famoso autódromo de Monza utilizando suas curvas inclinadas. O primeiro carro desenhado por Scaglione e produzido dentro das instalações de Bertone, era extremamente baixo e tinha linhas muito aerodinâmicas como ditava as regras. O motor de série com pouca, mas precisa preparação tinha 750 cm³ e 47 cavalos. Sua velocidade máxima foi de 195 km/h. Depois cobriu em um dia 3.750 quilômetros com média de 155 km/h. Ainda este ano usaria mecânica Alfa Romeo e carroceria Pininfarina noutro carro e vários recordes foram batidos. Abaixo um belo Abarth 2400 coupé 1964

Visto de trás

Entrava a década de 60 e os produtos da empresa estavam consolidados. Em 1962 era campeã mundial de marcas na classe de 1.000 cm³ com um modelo usando motor Fiat.

Fazendo parte do catalogo e com base no modelo popular 500 da Fiat, o famoso “cinquecento” eram três versões especiais com cilindrada aumentada para 595 cm³ e 695 cm³. Começavam com 27 cavalos a 5.000 rpm até 38 cavalos e a velocidade final entre 125 km/h e 140 km/h. Por fora eram um pouco mais baixos, tinham bitola mais largas, faixas especiais e levava o logotipo da marca no capô dianteiro. Abaixo um Fiat 600 Abarth

Ainda para o consumidor comum, mas exigente, baseado no Fiat 600 tinha a versão 850 TC Corsa que abusava da preparação. Seu motor com quatro cilindros em linha e 847 cm³ tinha 70 cavalos a 8.000 rpm. Era alimentado por um carburador de corpo duplo Weber e chegava à velocidade final de 178 km/h. Podia ser equipado com cambio de quatro ou cinco marchas e três diferentes tipos de relação para se adaptar a ralis, corridas em circuitos ou ruas.

Estes pequenos foguetes personalizados não eram baratos! Facilmente reconhecido pelos para-lamas mais largos, entrada de ar dianteira retangular e capô traseiro aberto era imitado por aqueles que não podiam comprar o original. Tratava-se de uma “pirataria” sem penas. A grife infelizmente custava algumas cifras a mais e nem todos os jovens podiam tê-la. Chegava a custar até 30 % a mais que um modelo comum da Fiat. Baseado no pequeno cupê 850 da Fiat havia o modelo OT 850/Oltre 130 que tinha velocidade final de 135 km/h e potência de 40 cavalos a 5.400 rpm. Da mesma linha os modelos Spider eram muito interessantes não só por causa do acabamento externo discreto, mas distinto.

O motor de 982 cm³ variava de 62 a 75 cavalos a 6.500 rpm. A velocidade final deste era de 172 km/h. Pronto para a briga o 1000 Corsa tinha 78 cavalos a 7.400 rpm e taxa de compressão de 11,5:1. Seu torque máximo era de 11,5 mkg.f a 4.500 rpm. Ótimo para um carrinho de 580 quilos. Abaixo um Fiat 1000 OT Abarth

Bonitos e com carrocerias especiais eram os cupês Bialbero. Tanto o modelo 700 quanto o 1000 eram caros. O 1000 usava motor 982 cm³ e potência de 104 cavalos a 8.000 rpm. Este chegava a 208 km/h e tinha carroceria bem semelhante ao Simca-Abarth francês que era uma contribuição valiosa de Carlo Abarth para Henri Théodore Pigozzi, o patrão da Simca. Abaixo Porsche 356 GTL Carrera Abarth - 1962

O topo de linha da Abarth era belo OT 1300 que, em 1966 custava apenas 20 % a menos que um Ferrari 330 GT de rua, tinha 1.289 cm³, taxa de compressão de 10,5: 1 e era alimentado por dois carburadores de corpo duplo Weber. Com cambio de cinco marchas e diversos tipos de relação podia chegar aos 270 km/h graças ao ótimo desenho aerodinâmico e ao peso pluma de 630 quilos. Tinha suspensão independente nas quatro rodas e freios a disco Girling em todas também. Corria pela divisão S1 no Mundial de Marcas e nas 24 Horas de Le Mans na França iria enfrentar feras como o alemão Porsche 906, o conterrâneo Ferrari 275 GTB e o francês Alpine-Renault A210 M66. E chegou a ter ótimos resultados a frente destes. Abaixo um Porsche 356 GTL Carrera Abarth

Em 1967 toda a equipe da empresa estava muito satisfeita ao terminar um projeto ambicioso. Era um motor com doze cilindros em “V”, seis litros de cilindrada e desenvolvendo em bancada cerca de 600 cavalos com bloco e cabeçote em alumínio.

Infelizmente pouco tempo depois, antes de ser montado num carro a FIA mudava o regulamento limitando a cilindrada para 3.000 cm³. Muito investimento e esperança foram por água abaixo. Era um sonho ver um filho seu concorrendo com carros superiores como o Porsche 910, Ford GT 40, Lola T70 e Ferrari 330 P4. 

Em julho de 1971 Carlo Abarth vendia sua empresa vencedora ao grupo Fiat e esta já aplicaria o nome nos modelos de Rali 124 Spider.

Por coincidência neste mesmo ano este carro ficaria em segundo lugar no Rali dos Alpes Austríacos. Fez uma bela carreira em ralis até 1976 quando foi substituído pelo sedã 131 que também levava o famoso sobrenome do Ítalo-Austríaco Carlo Abarth.

Ainda em 1971 mudava-se para Viena aos 63 anos e em outubro de 1979 morria em sua terra natal.

Até hoje o nome Abarth é símbolo de esportividade e dá nome a vários modelos da Fiat como recentemente o Stillo nacional e aos Cinquecento e Punto italianos. Uma lenda sobre o signo do escorpião.

Texto e montagem Francis Castaings. Fotos sem o logo Retroauto são do evento Salão Rétromobile, Organizações Peter Auto e FCA (Fiat Chrysler Automobiles Heritage)                                                   

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