Um engenheiro em nome da arte

 

Quem pensa que os super carros são recentes está redondamente enganado. Desde os primórdios dos automóveis já haviam fabricantes que lutavam para tirar mais potência fazendo o diferencial no seu produto. Tanto nos Estados Unidos quanto na velha Europa marcas que hoje são pouco conhecidas ou ressuscitaram sempre se distinguiram pela alta performance e pela beleza e arrojo de suas carrocerias.

Na década de 20 marcas como a Bentley, Bugatti, Mercedes, Maserati, Maybach, Auto Union e Duesenberg faziam carros que eram verdadeiros desafios para serem guiados. Juntavam-se a eles nesta década Delage, Avion Voisin, Delahaye só para citar alguns.

A década de 40, devido ao conflito bélico mundial muitas delas fecharam e outras nasceram.

Nos anos 50 marcas como Ferrari, Porsche e Jaguar começaram a escrever seus nomes nesta corrida contra a velocidade. Foi nestes anos de motores quentes e potentes que o nome do italiano Giotto Bizzarrini começava a ser conhecido.

Nascido em Livorno na bela região da Toscana em 6 de junho de 1926, era filho de um engenheiro mecânico e neto de um biólogo muito reputado. Em sua infância era um apaixonado pelo futebol, mas após a Guerra, estudou na Universidade de Pisa e formou-se em 1953 na mesma graduação que seu pai. Logo se tornou um apaixonado por carros e por mecânica e começou sua vida profissional dando aulas na universidade.

Em agosto do ano seguinte fora contratado pela Alfa Romeo que o observava com grande esperança. Fez ótimos trabalhos, mostrou competência e teve participação importante no desenvolvimento de motores e chassis. Deixou seus traços no pequeno e belo esportivo Giulietta (abaixo)  que fez enorme sucesso por vários anos no continente europeu.

Ficou com o nome conhecido na pequena Itália e foi fisgado por Enzo Ferrari em breve entrevista. Teria trabalho duro pela frente já que caberia a Giotto desenvolver bons carros de corrida já que a concorrência estava trazendo muita dor de cabeça ao Comendador que estava concentrado no Campeonato Mundial de Marcas. Fazia muito sucesso nas pistas o Jaguar D, o Aston Martin DB3, o AC Bristol, o Lotus Climax e o Porsche 550.

O desenvolvimento começou sendo que o jovem engenheiro de 31 anos desenhava, ajudava a produzir e montar carroceria, chassi e motor. O mandatário da empresa de Maranello não poupava seus funcionários e vários trabalhavam muitas horas por dia e até fins de semana. Giotto também testava os carros já que tinha habilidade de piloto de testes.

Em 1959 nascia a bela e potente Ferrari 250 GT (abaixo)  também conhecida como SWB abreviatura de Short Wheelbase em inglês, ou seja, chassi curto. Fez enorme sucesso nas pistas notadamente em Nürburgring, Targa Florio, Le Mans e também em provas nos Estados Unidos.

Nesta época também fez importantes modificações nos modelos 250 Testa Rossa e no esportivo civil Spider Califórnia.

Em 1961 já estava avançado o projeto de substituição do 250 SWB. O novo carro concebido a partir de um pedido de Enzo seria o futuro 250 GTO.

Trabalhava-se muito na suspensão e na aerodinâmica e visava combater um novo concorrente de peso nas pistas que seria o Jaguar E-Type. Toda a equipe de mecânicos, técnicos e engenheiros trabalhavam a exaustão. O primeiro protótipo nasceu e de tão feio que era ganhou o apelido de Monstro. Era testado pelo hábil belga Willy Mairesse e pelo grande inglês Stirling Moss. Mas o clima não estava bom e os nervos a flor da pele pelo excesso de trabalho que culminou na saída de boa parte da equipe inclusive de Giotto muito magoado, pois tinha Enzo Ferrari como um parente próximo e querido.

Não demorou muito e criou a empresa Autostar que fabricava peças especiais para vários esportivos. Um de seus primeiros clientes foi a ATS de Bolonha que fez um belo GT com linhas avançadíssimas para a época denominado ATS 2500 GTS. O carro apresentado no Salão de Genebra na Suíça não vingou pelo alto custo e por não ter tido sucesso nas pistas.

Não demorou muito estava noutra empresa de esportivos, a ASA Auto Autocostruzione (acima) de Milão fundada em 1962 que construía pequenos esportivos muito interessantes, leves e bonitos com motores de quatro cilindros, 1.000 cm³ de cilindrada e potência da ordem de 100 cavalos. Os pilotos de testes eram o Ítalo-libanês Lorenzo Bandini e o milanês Giancarlo Baghetti e Giotto Bizzarrini tinha especial apreço por seus trabalhos nesta pequena empresa familiar.

Outra vez um curto período, pois foi recrutado por Ferrucio Lamborghini que o queria para construir um motor com doze cilindros em “V” capaz de rivalizar com a Ferrari. Nesta equipe estavam outros “banidos” de notáveis empresas do mundo do automóvel, mas muito competentes como Carlo Chiti, Girolamo Gardini e Romolo Tavoni. A intenção era que este tivesse um deslocamento volumétrico de 4.000 cm³ podendo chegar a 5.000. O motor, muito bonito de se ver, nos testes tinha 3.500 cm³, chegou a despejar 360 cavalos e veio a equipar o primeiro Lamborghini civil.

Deixou a empresa de Sant'Agata, pois começava a ter relações de trabalho com o empresário Renzo Rivolta que desejava muito construir um esportivo capaz de rivalizar com os Maserati, Lamborghini e principalmente a Ferrari.

A pequena Itália estava com muita diversidade esportiva no meio automobilístico. Todos queriam ter uma super máquina e a rivalidade interna era grande tal qual a vaidade de seus construtores.

A fábrica era em Bresso não muito longe do centro de Milão e os dois homens optaram por um motor Chevrolet americano oriundo do esportivo Corvette. Tinha potência de sobra e podia ser muito bem aproveitado num novo chassi. O primeiro trabalho de Giotto resultou no belo Iso Rivolta IR 300.

Em 1963 era apresentado outro modelo mais moderno para a clientela abastada desfilar e se chamava Grifo ou A3/L (acima) . O outro, paixão especial de Bizzarrini era o A3/C de competição (abaixo).  A parte traseira de ambos tinha alguma semelhança principalmente pelo vidro e a caída suave da carroceria. Na parte frontal eram bem distintos sendo que o modelo de competição era bem mais aerodinâmico e agressivo com frente em cunha, faróis circulares carenados e entradas de ar retangulares bem finas. Na lateral dos pára-lamas estas eram em posição vertical.

Bela, sua carroceria de alumínio era obra de Giorgetto Giugiaro que trabalhava na época na Bertone e media 4,37 metros de comprimento, 1,76 de largura e apenas 1,11 de altura.

Um verdadeiro carro de corrida, mas que teve também poucas versões de rua denominada Strada. Pesava 1.250 quilos e tinha 2,45 metros de distância entre-eixos. Esta peça era feita pela Carrozzeria BBM de Piero Drogo em Modena e montada em Bresso.Várias peças eram comuns entre os dois modelos, mas tal fato não reduzia os custos de fabricação. Ambos eram caros e artesanais.

Seu motor com oito cilindros em “V” turbofire 327 com 5.359 cm³ tinha taxa de compressão de 11:1. Montado em posição central dianteira buscava o equilíbrio de massas que resultou num esportivo muito estável.

Era alimentado por um carburador de corpo quádruplo Holley em posição invertida que dependendo do acerto gerava de 350 a 410 cavalos com um torque generoso de 56 mkg.f a 4.000 rpm. A velocidade máxima era de 285 km/h, fazia de 0 a 100 km/h em 6,0 segundos e cobria o primeiro quilômetro em apenas 20 segundos. Era montado em pequena escala na Prototipi Bizzarrini.

Outra vez houve discórdia entre os sócios e Giotto, a partir de 1966 recebeu licença de construir seu carro independente de Renzo.

Uma versão chamada GT 5300 Strada ganhava as ruas e tinha ótimo acabamento interno e relativo conforto, pois o espaço era exíguo. Havia sido concebido para as pistas, mas a produção mínima exigida pela FIA era de 100 exemplares na categoria GT e não foi obtida ao término de um ano. Seu melhor resultado nas pistas foi nas 24 Horas de Le Mans em 1965 que ficou com o nono lugar geral.

Concorria com o Iso Grifo (acima) , com o Lamborghini Miura cujo motor nasceu das mãos de Giotto, com o Maserati 3500 Sebring e o Ferrari 275 GTB (abaixo) e o Superfast. Era a armada suprema italiana que não tinha concorrentes tão velozes no resto do mundo.

Uma bela versão conversível também foi feita e por volta de 130 exemplares foram construídos até 1969 quando fechou as portas por dificuldades financeiras.

Neste mesmo ano um protótipo muito interessante e avançadíssimo foi concebido por Giorgetto Giugiaro e se chamava Bizzarrini Manta. Era seu primeiro carro na Ital Design e tinha chassi tubular, carroceria em alumínio com estilo muito futurista. Também conhecido por Bizzarrini P538 usava o motor Chevrolet Corvette V8 na traseira da carroceria. Uma de suas peculiaridades era a posição central do motorista ladeado por mais dois passageiros. Mais uma genialidade da dupla Giugiaro e Bizzarrini que seria copiada anos mais tarde. Este modelo foi apresentado em 2005 no Pebble Beach Concours d'Elegance na Califórnia.

Ainda em 1969 partiu para a consultoria e a Opel alemã o acolheu muito bem e Giotto desenvolveu alguns protótipos e no desenvolvimento do pequeno esportivo GT.

Propôs construir um pequeno GT inspirado em seu modelo Strada, mas a empresa alemã recusou. Conseguiu fabricá-lo em pequena escala com o nome de Bizzarrini 1900 GT e recebia o próprio motor Opel que equipava a maioria dos carros da linha e algumas unidades receberam também motores Fiat. 

Sempre muito respeitado no princípio da década de 70 atuou no projeto AMX-3 (acima)  da American Motors americana criando um belíssimo esportivo com linhas inspiradas claramente em modelos da escola italiana. Infelizmente este não passou do estado de protótipo. 

No final dos anos 80 depois de muita insistência cedeu o direito de seu nome em um projeto de um esportivo para as pistas. Tratava-se de um pequeno carro de corridas que recebia motores Alfa Romeo e BMW.

Em 1998 nascia mais um avançado projeto de um esportivo. Batizado de Bizzarrini Kjara usava motor hibrido de origem Lancia sendo movido a óleo diesel e eletricidade e foi apresentado em 2000 no Salão de Torino.

Incansável o mestre apresentou em Genebra na Suíça em 2005 o Bizzarrini GT Strada 4.1 Concept com mecânica Mecachrome / Bizzarrini. Trata-se de um propulsor V8 em alumínio desenvolvendo a bagatela de 550 cavalos e velocidade máxima de 360 km/h. Só foi desenvolvido um exemplar. 

Giotto Bizzarrini aos 83 anos e lecionava Universidade de Roma e fazia também muitas palestras. É um homem admirado pela sua tenacidade e produz o modelo P538 sob encomenda.                                                                                                                                                                  

Aprecia e cultiva vinho em sua fazenda e também frequenta assiduamente importantes exposições mundiais onde seus fabulosos carros estão presentes e são premiados. Seja em Pebble Beach, em Vila D’Este na Itália, Chantilly Arts & Elegance Richard Mille ou em Paris no Concurso organizado pela casa Louis Vuitton no chique Parque Bagatelle. O grande Giotto está com 94 anos atualmente

É muito lembrado pela grande obra o Bizzarrini 5300 GT 1965 que ilustra estas páginas

Texto e montagem Francis Castaings. Fotos de divulgação, Salão Rétromobile e organizações Peter Auto                                         

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