Tempera Austríaca – Um homem acima de seus limites

Qualquer acidente de automóvel de um motorista comum consciente traz várias reflexões e às vezes traumas que são uma lembrança amarga para o resto da vida. Já com um piloto profissional da categoria máxima da Fórmula Um é um caso muito delicado. Estar em altíssima velocidade, sofrer um acidente, quase morrer e depois voltar ás pistas e ganhar novamente. Esta foi a saga do intrépido e determinado piloto austríaco Andreas Nikolaus Lauda, mais conhecido como Niki Lauda nascido na bela Viena em 22 de fevereiro de 1949. 

Filho de uma família tradicional e abastada, Niki logo começou a se virar na vida sem a ajuda dos pais que eram importantes joalheiros na capital da Áustria. Fascinado pela velocidade, gostava tanto de aviões quanto de automóveis, mas sua predileção era pelo asfalto. Apesar de seu aspecto franzino, não se intimidava e logo começou a se virar com pequenos empregos, juntava algum dinheiro, mas usou do prestigio do nome para conseguir os primeiros recursos para entrar nas competições sobre quatro rodas. 

Como vários pilotos da época, começava a pilotar em ralis e pequenos circuitos de asfalto os Mini da Austin/Morris que eram considerados verdadeiros karts com carroceria. Uma verdadeira escola. Não demorou e já estava pilotando um Porsche 911 em provas de subida de montanha em seu país. Mostrou-se veloz, com muita perícia e combatente. Sua família era contra sua carreira. O pai gostaria que ele se formasse e conduzisse os negócios da família que era dona de uma indústria de papel importante na Áustria. Pediu muito dinheiro emprestado em um banco e conseguiu.

Para chegar a ganhar um pouco de dinheiro dirigiu caminhões de entrega na Europa, trabalhou como taxista e quando podia também era mecânico. E dos bons. Gostava de um motor boxer Porsche e entendia bem deles.

No final da década de 60 já estava correndo tanto em provas de Fórmula 3 quanto Fórmula 2. Era na equipe March que ainda engatinhava nas corridas. Esta equipe foi fundada por Max Mosley, Alan Rees, e Robin Herd daí vindo suas iniciais sendo que o primeiro homem e o último até hoje estão na categoria. Mas também corria em provas de Turismo com uma BMW bem próxima desta.

Niki levou dinheiro para a equipe e sem resultados expressivos estreou pela mesma na Fórmula Um em 1971 no Grande Prêmio da Áustria. Em 1972 dividia as atenções da equipe com o jovem e veloz sueco Ronnie Peterson e não foi feliz na temporada. O modelo 721 era muito fraco e irregular. Ora não se classificava e quando corria quebrava.

Em 1973 ia para a inglesa BRM e tinha ao seu lado o experiente francês Jean-Pierre Beltoise e o ítalo-suiço Clay Regazzoni. Nestes dois anos, graças ao bom nome da família se rendeu a um empréstimo junto a poderosos bancos austríacos. Era uma bela soma que uma equipe ascendente não ia negar. Mas Lauda outra vez não foi bem fazendo apenas dois pontos na temporada, porém bons ventos sopravam e em 1974 estreava na poderosa italiana Ferrari. Estaria outra vez junto com Regazzoni que na época era muito agressivo e tinha a fama de ser arisco e perigoso, mas o mesmo o recomendara a Enzo Ferrari no ano anterior. Abaixo com Luca di Montezemolo que era o chefe de equipe da Ferrari desde 1974.

Em abril, no Grande Prêmio da Espanha em Jarama ganhava sua primeira corrida pilotando o 312 B3. Voltaria a vencer no mesmo ano na Holanda em Zandvoort. Ficaria em quarto lugar no campeonato com 38 pontos no ano em que Emerson Fittipaldi ganhava seu segundo campeonato. Seu colega seria o segundo a ambos ajudaram a Ferrari a ficar com o vice no Mundial dos Construtores. Neste mesmo ano Lauda pilotava um poderoso Ford Capri RS 3100 (abaixo) no Campeonato Europeu de Turismo que tinha muito destaque na época.

No ano seguinte mostrava que sua competência era grande. Em maio ganhava o Grande Prêmio de Mônaco. Seriam três provas seguidas com sucesso. Além desta, também passava na frente em Zolder na Bélgica e em Anderstorp na Suécia. Voltaria a triunfar na França em Paul Ricard e fechava o ano com chave de ouro em Watkins Glen nos Estados Unidos. Lauda ganhava seu primeiro campeonato e a Ferrari também sagrar-se-ia campeã com os modelo 312B3 e o belo estreante 312T. Equipado com o motor com doze cilindros opostos este fórmula era obra de Mauro Forghieri. Seu motor tinha 2.991 cm³, quatro válvulas por cilindro e duplo comando. Sua potência era 495 cavalos a 12.200 rpm. A denominação T ficava por conta do cambio em posição transversal.

Também havia triunfado na Corrida dos Campeões em Silverstone, uma prova extra campeonato que incluía também carros da Fórmula Indy. Lauda estava eufórico, aos 26 anos de idade apenas, por aliviar a fábrica de Enzo Ferrari de um jejum de 11 anos sem campeonato. Os carros vermelhos honravam a lenda outra vez!

Em 1976 Lauda ganharia sua primeira prova no Brasil e no campeonato e era claro que teria grandes desafios. Um deles era o inglês James Hunt que apesar da pouca técnica era muito veloz. O austríaco por sua vez já era apelidado de “O Computador”. Na seguinte, em Kyalami na África do Sul tornaria a ganhar e também em Zolder e Mônaco. Não foi feliz na Suécia e na França e depois venceu em Brands Hatch numa das provas mais tumultuadas da Fórmula Um. Na Largada Regazzoni forçou demais e rodou, raspou em Lauda sem prejudicá-lo, mas atrapalhou Hunt e Jacques Laffite. Foi dada nova largada os dirigentes se deram conta que Hunt, Rega e Laffite não poderiam usar o carro reserva. Hunt voltava com a Mclaren reparada, ganhou, mas meses depois perdeu os pontos no tribunal graças à apelação de Luca Di Montezelo que já era chefe da Ferrari.

Chegava agosto, dia primeiro e a largada era em Nürburgring e seus 22,8 quilômetros de extensão. Para uns pura êxtase para outros muito tensão e concentração. Atraente com suas belas árvores, mas também traiçoeiro e desafiador com suas curvas e saltos. Por isso foi chamado de “Inferno Verde”

Os quatro primeiros no grid eram Lauda, Hunt, Patrick Depailler e Hans Stuck. O tempo estava frio e úmido em determinados locais do circuito. Na segunda volta, na curva Bergwerk, os carros tinham velocidade beirando os 200 km/h quando Niki Lauda perdeu o controle do 312 T2, rodou, pegou o guard-rail oposto, bateu no Surtees de Brett Lunger, rodou outra vez bateu no Hesketh de Harald Ertl quando um dos tanques de gasolina foi arrancado e o Ferrari pegou fogo. As chamas cresceram com o austríaco dentro do carro. Foi logo socorrido por Lunger, Fittipaldi, Arturo Merzario e Guy Edwards. Estava com o rosto bastante queimado e havia muitas fraturas. No momento estava consciente, se movia na maca até a chegada da ambulância e ninguém suspeitava da gravidade do acontecido. Seus pulmões estavam muito intoxicados e as lesões eram diversas. Foi levado para o hospital de Ludwigshafen e depois para o da cidade de Mannheim. Havia queimaduras de terceiro grau que chegariam a afetar bastante seu rosto e fraturas graves. Chegou a receber a extrema-unção, mas a tempera deste grande piloto foi mais forte e sobreviveu, pois amava a vida e sua profissão. Na época já era casado com Mariella von Reininghaus que foi muito companheira em momentos difíceis. Foram dez dias muito duros.

Ainda debilitado e com parte do rosto enfaixado alinhou sua Ferrari para o Grande Prêmio da Itália surpreendendo muitas pessoas. Largava na sexta posição e chegava em quarto lugar. Estava em forma, mas Hunt estava em vantagem e ia muito bem com sua Mclaren M23. Lauda não pontuaria no Canadá e chegava em terceiro nos Estados Unidos. A última prova no Japão foi decisiva e o austríaco estava há menos que o inglês James Hunt. O tempo fechou, choveu forte e Lauda tomou a decisão de parar. Foi uma atitude própria e normal num ser humano com um trauma ainda consciente. Cinco voltas depois José Carlos Pace parou pelos mesmo motivo! Digno de um excelente piloto que viu sua vida ameaçada outra vez. A imprensa e o público em geral não o julgaram como deveria.

Em 1977 voltava com muito vigor. Na terceira prova, em Kyalami na África do Sul chegava num ano repleto de bons competidores. Estavam lá seu companheiro de equipe o argentino Carlos Reutemann, o ítalo-americano Mario Andretti, o francês Jacques Laffite com o V12 Matra e outra vez James Hunt. Na Alemanha, desta vez em Hockenheim chegava em primeiro e também na Holanda em Zandvoort. Foi um ano de bons resultados e foi campeão pela segunda vez com 72 pontos contra os 55 do sul africano Jody Scheckter. Mostrava muita garra com a Ferrari.  

No ano seguinte trocava de equipe e estreava na promissora Brabham-Alfa Romeo. Outro motor com doze cilindros e muito potente na categoria fazendo frente aos Ford Cosworth, aos Matra e aos Ferrari. Nesta equipe estava o super rápido Gilles Villeneuve e Lauda ganhava em Anderstorp e em Monza que marcaria pela triste morte do sueco Ronnie Peterson em sua Lotus. Lauda ficaria em quarto lugar no campeonato.

Chegava 1979 e o ano para a equipe Brabham-Alfa Romeo seria péssima e Niki Lauda e seu companheiro o brasileiro Nelson Piquet ficariam em 14º e 15º na temporada. O carro estava muito ruim e Lauda anunciava sua aposentadoria na categoria.Também foi campeão na categoria Procar, que eram provas com esportivos BMW M1.

Nesta época também inaugurava sua empresa aérea a Lauda Air que fazia voos partindo de Viena a Bangkok na Tailândia e a Sydney e Melbourne na Austrália. Muito astuto começou também a fazer voos regulares para Recife explorando o Nordeste de nosso país.

Em 1982 retornava a Fórmula Um na equipe McLaren-Ford tendo como companheiro John Watson. Circulava a notícia que sua empresa aérea na ia bem financeiramente. Boatos a parte voltava em forma contra Nelson Piquet e os franceses Alain Prost e Didier Pironi e o finlandês Keke Rosberg. Era a época dos motores turbo que a BMW se juntava a Renault e a Ferrari. Lauda mostrava mais uma vez sua perícia em Long Beach nos Estados Unidos e em Brands Hatch com o McLaren-Ford.  Ficou em quinto no campeonato.

Dois anos depois se mostrava impecável ganhando as provas na África do Sul, França outra vez em Brands Hatch na Inglaterra, na terra natal em Zeltweg e em Monza. Era seu terceiro título mundial há apenas meio ponto do companheiro francês Alain Prost na equipe McLaren equipada com o motor Porsche. No ano seguinte ganharia apenas em Zandvoort completando sua 25ª vitória e deixava o volante de um bólido veloz com muita honra e dignidade.

Seu filho Mathias em 2006 correu na super categoria alemã DTM e contou com a ajuda do irmão Lukas como seu empresário. Está em seu segundo casamento (Birgit Wetzinger) é um assíduo frequentador das pistas e muito respeitado no meio.

É comentarista da Rede RTL(Grupo europeu de rádio e televisão). Entre 1993 e 1995 foi consultor na Ferrari. Em 2001 e 2002 da equipe Jaguar (na época do Grupo Ford) e desde 2012 é um dos diretores da Petronas-AMG responsável pelas vitórias de Nico Rosberg e Lewis Hamilton.

Dirigiu com competência a empresa Niki Luftfahrt de aviação. Em 1991, num voo entre Hong-Kong e Viena, um acidente envolvendo um Boeing 767 que teve uma falha no sistema. O inversor de impulso de um dos motores entrou em ação. A Boeing alegou falha humana, mas foi provado a falha técnica!  Lauda ficou traumatizado, não houve sobreviventes e hoje a empresa foi absorvida pela Austrian Airline.

Tem vários amigos, Nelson Piquet está nesta lista, e sempre se mostrou muito íntegro no esporte. Sua entrevista no extinto programa de televisão Conexão Internacional, com o jornalista Roberto Dávila foi simplesmente emocionante mostrando um homem competente e sensível. Mostra suas cicatrizes com dignidade e nunca as escondeu. O austríaco Andreas Nikolaus Lauda é hoje uma referência de muito respeito meio automobilístico.

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O filme Rush. Imperdível e vibrante par quem gosta da velocidade.

Imperdível e vibrante par quem gosta da velocidade este filme que estreou em setembro de 2013. O ator que representou Niki Lauda, o espanhol Daniel Brühl, que foi indicado para ator coadjuvante pela afamada BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) que é a academia britânica responsável pela premiação anual à excelência de trabalhos realizados em cinema, televisão e filmes. O ator Daniel Brühl tem uma semelhança incrível com o piloto austríaco. Lauda acompanhou as filmagens à convite do competente diretor Ron Howard que também já foi ator.

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Minha homenagem

A miniatura foi lançada em bancas de jornais na escala 1/43. Vem sobre uma base e caixa acrílica.


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Para saber mais sobre sobre nossos cavaleiros das pistas e outros leia O Brasil na Fórmula 1 cujo autor é Alexandre Armando Vasconcellos. Bem ilustrado conta a história de Emerson, Pace, Nelson, Ayrton, Rubens e Massa.  Com belas fotos quem acompanhou pela televisão, rádio, revistas e jornais vai relembrar bons momentos. Vem no formato 23 x 20,5 cm e tem 200 páginas. Clique sobre o livro.

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Texto, fotos e montagem:  Francis Castaings -Demais fotos sem a marca Retroauto são de divulgação, da empresa Peter Auto e Getty Images. Foto  Lauda Air: Juergen Lehle.

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