A serpente do asfalto

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A união perfeita de uma carroceria linda de um roadster inglês com um motor bigblock americano

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Em 1904, foi inaugurada em Thames Ditton, Inglaterra, uma pequena empresa que se chamava Autocars and Accessories LTD. Fabricava carros de três rodas (Auto Carrier) com motores mono cilíndricos de motocicletas. Em 1927 ela mudou o nome para A.C. Cars e no final dos anos 50 produzia roadsters com motores seis cilindros Bristol derivado dos motores BMW de antes da Segunda Guerra Mundial.

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Em 1953 a AC Cars apresentou o modelo Ace que tinha o chassi assinado por John Tojeiro, engenheiro e designer de carros esportivos. A carroceria inspirada nos Ferrari de competição tinha linhas curvas, com quatro pára-lamas salientes, dois lugares, grade agressiva oblonga, frente longa e traseira curta. Nas extremidades da grade tinha batentes (tubos) verticais que serviam de pára-choque. Os retrovisores eram fixados nos pára-lamas, a uns 35 centímetros do pára-brisas inclinado que tinha quebra-ventos à la Ford T ligados por dobradiças a moldura cromada deste. Entradas de ar nas laterais dos pára-lamas davam um charme a parte. Um carro bem agressivo, mas muito charmoso.

Convenhamos que os ingleses sempre foram especialistas em roadsters. Com este motor Bristol de seis cilindros em Lina e quase 2 litros, arrancava de 0 a 100 km/h em 9 segundos, 26,9 segundos para atingir os primeiros 1.000 metros  e conseguia alcançar quase 200 km/h. Nada mal para a época. 

A carroceria era de alumínio (acima) e ele foi fabricado de 1956 a 1961. Foram produzidos 463 exemplares. Em 1961 deixou de usar estes motores e passou a usar os do Ford Zephir de 2,6 litros já um pouco  antiquados. Foram fabricados, para citar os mais famosos, os modelos Aceca cupê (1955-1961), Aceca Bristol cupê (1957-1962), Greyhound Coach (1959-1963) e Ace Bristol Roadster  (1956-1963).

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Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, Carrol Shelby, um simpático texano nascido em 1923 na cidade de Leesburg, que já tinha participado e obtido sucesso em corridas na Europa, tais como as 24 Horas de Le Mans, onde ganhou a prova a bordo de um Aston Martim DBR1/300  e o campeonato de marcas com seu co-piloto Ray Salvadori. Desde 1952 já havia participado de corridas com um MG, Allard J2X com motor Cadillac,  Ferrari, Maserati e Aston Martin. Por problemas cardíacos foi proibido por seus médicos de correr, mas não abandonou a paixão por automóveis esportes.

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Tinha a intenção de frear as conquistas dos bólidos vermelhos italianos da Ferrari. Seu sonho era colocar um motor potente americano num chassi europeu leve e resistente. Carrol começou a correr com carros MG-TD ingleses nos EUA e, em algumas provas, chegou a vencer carros mais potentes como o Jaguar XK120.

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Em setembro de 1961 Carrol mandou uma carta para a Inglaterra, endereçada a AC Cars propondo colocar um o motor americano V8 big block  na carroceria de dois lugares do roadster britânico. Em outubro do mesmo ano, Charles Hurlock, proprietário da  AC Cars, respondeu a carta a Carrol  que estava disposto a nova empreitada. A empresa não estava bem financeiramente, tinha vários estoques de carrocerias e chassis num galpão e fabricava cadeira de rodas e carrinhos de Golfe para se manter.

Nascia o AC Cobra. Carrol já havia procurado os grandes homens da General Motors, mas este não se interessaram pelo projeto.

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Em principio foi chamado de AC Cobra, sinônimo de velocidade e o distintivo que estava no capo era discreto e mais tarde se tornaria uma serpente empinada exatamente para provocar o “Cavallino Rampante” da Ferrari. 

O milagre foi feito após algumas alterações na carroceria principalmente na frente.  Instalar um motor Ford V8 de 90° de 260 polegadas cúbicas (4,2 litros), motor e cabeçote em ferro fundido, com uma caixa de quatro velocidades Borg-Warner na carroceria AC. Graças a uma nova técnica em fundição em algumas partes deste motor, oriundo do Ford Fairlane, que tinha 221 polegadas cúbicas, pesava somente sete quilos a mais que o do Bristol.  Na época a Ford queria testar seus motores em carros de competição, mas nada era oficial, não autorização oficial para patrocínio. Queriam testar os motores sem se engajarem, mas estavam ansiosos pelos resultados.

Os freios tiveram que ser redimensionados e a suspensão modificada. O carro não tinha luxo. Além dos quebra-ventos, havia para-sol transparente. Um charme! O painel tinha vários mostradores adequados ao porte do motor. O velocímetro era graduado a 160 milhas por hora (265 km/h), o conta-giros à 8.000 rpm. Ambos ficavam atrás do volante. Menores em formato circular também estavam o marcador de temperatura do motor, o voltímetro, amperímetro, o nível de combustível, marcador de pressão do óleo e temperatura do mesmo. Variava o número de instrumentos, graduações e o desenho do painel conforme a versão. Alguns tinham relógio de horas. O volante de três raios tinha aro de madeira nas primeiras versões e a alavanca de marchas bem ao centro do túnel de transmissão tinha ótima pega. Os bancos individuais em couro eram confortáveis e os pedais do acelerador, freio e embreagem tinham as siglas AC.

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Estes carros começaram a ser construídos em Santa Fé, cidade do sul da Califórnia, e depois em Venice no mesmo estado. O primeiro protótipo, CSX0001 (Carrol Shelby experimental), saiu de Santa Fé no princípio de 1962. Tinha quatro freios a disco, montados “in-board” na traseira deste. Foram construídos 75 exemplares na fase inicial do Cobra. Logo os motores 260, que tinham uma aceleração explosiva, foram substituídos pelos 289 (4.728 cm³) com 270 cavalos a 6.000 rpm, taxa de compressão de 11:1 e era alimentado por um carburador de corpo quádruplo da marca Holley na versão de rua (street version). Alguns modelos 289 eram equipados de quatro carburadores duplos Weber.

O Torque máximo era de 37,1 mkg.f à 4.800 rpm. Na versão de competição tinha 360 cavalos! Apenas 26,9 segundos para atingir os primeiros 1.000 metros. Começava a ser comercializado e a própria secretária de Carrol servia de modelo na publicidade em preto e branco nos jornais e revistas. Era um esportivo de cor clara e abaixo da foto estava em letras grandes: Shelby e noutra menor AC/Cobra e abaixo Powered By Ford. Assim que a produção aumentou o texano tirou a sigla AC. 

O virabrequim tinha cinco mancais, carter úmido com capacidade para seis litros de óleo. Sua embreagem Ford era monodisco a seco. A caixa manual Borg-Warner tinha quatro velocidades e a transmissão da marca Salisbury tinha diferencial autoblocante tinha com deslizamento limitado. Sua tração era traseira. A suspensão foi modificada em relação ao AC. Era independente com feixes de molas transversais, triângulos em posição inferior e amortecedores hidráulicos telescópicos. Os freios, da marca Girling, eram a disco nas quatro rodas com duplo circuito e pinças duplas.

 Media 3.87 metros de comprimento, 1,50 de largura, 1,27 de altura, entre-eixos de 2,28 e pesava 950 quilos. Os canos de descarga nas laterais demonstravam que estava ali para briga. O motor dianteiro recuado permitia uma distribuição sobre os eixos de quase 50% sobre cada tornando o carro muito equilibrado.

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O carro inglês original passou a ser um monstro. Um verdadeiro dragster. Mas seu comportamento era delicado. Com tanta força, tanta tração, necessitava de piloto hábil, principalmente se o asfalto estava molhado, caso chovesse. Mas em boas mãos, contendo o entusiasmo da máquina debaixo do capô, podia-se aproveitar muito bem da esportividade. Na versão 427 (6,99 litros) tinha 425 cavalos para a versão de rua, torque de 66 mkg.f e na versão Racing tinha 484 cavalos. De 0 A 100 km/h em menos de 6 segundos e sua velocidade máxima era de 266 km/h. Emoções fortes garantidas. Pura força bruta. Este era um verdadeiro motor Ford Nascar 427 que já tinha provado sua resistência nas provas de Stock Cars americanas, inclusive no Ford Galaxie. 

Esta Cobra era venenosa mesmo, mordia o asfalto com vontade. Esta versão hoje é a mais cotada, principalmente se for a Mark III Roadster fabricada em 1965 e 1966 podendo chegar a 250 mil dólares em 2011. Hoje atinge valores astronômicos.

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Ela foi feita com o objetivo de atacar e vencer a bela Ferrari 250 LM, o Ferrari GTO (Gran Turismo Omologato) , o Porsche 904 e o Jaguar E-Type Lightweight. 

O chassi foi reforçado com tubos de 4 polegadas ao invés de 3 para suportar a nova motorização. Era tubular em uma plataforma, tipo escada, era muito robusto e rígido.

Os 100 primeiros carros tinham que ser fabricados conforme as regras da FIA (Federação Internacional do Automobilismo)  para serem homologados na categoria GT. Quando os inspetores da entidade chegaram em Los Angeles nos EUA em 25 de abril de 1965 para emitir o certificado, somente 51 carros estavam prontos. Shelby parou então a construção da versão competição para se dedicar a versão civil. No final do ano só 16 Cobra Racing tinham sido vendidos. Cerca de 31 carros então foram transformados em versão Street  Competition e vendidos. O último verdadeiro AC Cobra saiu da fábrica em 1969. E sua carroceria não foi patenteada!

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Nas Pistas

Em agosto de 1962 a FIA homologou o Cobra para correr na categoria GT  de mais de 2 litros. Mas 100 carros deveriam ser construídos em 12 meses e somente 8 ficaram prontos. Vários problemas com o chassi e carroceria atrasaram a produção.

Porém, em uma corrida local, o Los Angeles Times Grand Prix, ele provou ser mais rápido e mais leve que seu concorrente americano, o novo Chevrolet Corvette Stingray. Tinham pára-lamas mais largos para atender os requisitos da FIA. Os pneus tinham que ser cobertos. Alguns tinham arco de proteção individual outros dois. O pára-brisa também podia ser mais baixo, mais inclinado para melhorar a aerodinâmica ou apenas um pequeno defletor na frente do piloto.

Em fevereiro de 1963 o Cobra fez sua estreia nas corridas internacionais em Daytona, mas Ferrari GTO ganhou.

Em março foi a vez de correr em Sebring. As Ferrari novamente ganharam, mas o Cobra fez a volta mais rápida da categoria GT.

Os primeiros 125 exemplares do AC Cobra ficaram prontos em junho de 1963. O projeto aerodinâmico do Daytona cupê foi iniciado com o objetivo de alcançar mais de 200 milhas por hora (321 km/h) na reta de Mulsanne do circuito onde as 24 Horas de Le Mans são disputadas. As 170 milhas por hora (273 km/h) já tinham sido vencidos pelos carros de produção.

Em setembro de 1963 Dan Gurney venceu os 500 Quilômetros de Bridgehampton, Condado de Suffolk, Nova York. Foi o primeiro piloto americano a vencer com um carro americano uma corrida da FIA.

Em dezembro o Cobra vence o USRRC (United States Road Racing Championship) e o SCCA – Production National championship na frente dos Corvettes.

Em março de 1964 foi inscrito o modelo CSX2166 com motor 427  na categoria protótipos na prova de Sebring. Foi a primeira vez que ele bateu a Ferrari GTO.

No mês seguinte, na famosa prova de Targa Florio, chegou em terceiro atrás do Porsche 904 e da Ferrari.

Em junho de 1964, no circuito de Sarthe, onde se realiza as 24 horas de Le Mans, o Cobra chegou em quarto lugar geral e venceu na categoria GT derrotando pela primeira vez a Ferrari numa prova tão famosa e da FIA.

Em outubro de 1964 o protótipo Cobra 427 é testado em Silverstone e depois na pista dos EUA.

Em fevereiro de 1965 o Cobra venceu nas mãos de Jô Schesser e Harold Keck  na categoria GT em Daytona.

Na Europa a equipe Cobra ganhava várias corridas como em Monza na Itália e em Oulton Park na Inglaterra.

Em novembro de 1965 o Cobra 427 recebe a certificação da FIA para disputar o campeonato de 1966.

Em março de 1967 o último Shelby Cobra 427 roadster legitimo foi construído.

O Cobra deixou saudades e seu herdeiro, o Dodge Viper da Chrysler, baseado na serpente sobre rodas, no mesmo princípio e na força do motor do saudoso Cobra.

O próprio Carrol Shelby ajudou na concepção do modelo e participou da apresentação do mesmo ao público em 1992 no Los Angeles Show. Carrol também participou do projeto do Ford GT 40 MK II e dos Mustang Shelby GT 350 e 500. Fabulosos carros. Em 10 de maio de 2012, aos 89 anos, Carroll Hall Shelby faleceu.

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No Brasil

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A Glaspac começou a fazer réplicas com motor 6 cilindros Chevrolet que equipava o  Opala, mas logo passou para os motores Ford V8 do Maverick/Galaxie garantindo assim a sua originalidade. Seu concorrente direto era o Fera XK 4.1 (réplica do Jaguar XK120) com o motor do opala. Hoje são produzidos pela Americar com sede em São Paulo.

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Em escala

O fabricante Road Tough faz um exemplar detalhadíssimo em escala 1/18. Vem na cor azul marinho (Shelby Guardsman Blue), com as tradicionais faixas duplas brancas que vão do capô ao porta-malas, extintor de incêndio entre os bancos, arco de proteção para a cabeça do motorista, rodas que esterçam portas, capô e porta-malas que se abrem. O volante de três raios também gira.

A HotWheels americana também produziu várias versões na escala 1/65. Interessantes. A versão Daytona Coupé foi feita também na escala 1/87 (HO).  Outra foi a Ford Shelby GR-1 Concept.

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A Sunny Side Chinesa fez uma na cor vermelha na escala 1/43. Correta!

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Um colecionador de miniaturas inglês montou seu primeiro kit quando morava na África do Sul. Não parou, hoje mora na Inglaterra e possui 600 modelos Cobra de várias escalas e versões.

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Em metal, plástico, resina, radio controle e até brinquedos para crianças relacionado ao carro. Um espetáculo!

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Hoje

Na Inglaterra, em Essex, ainda são fabricados pela RAM Automotive. Recebem carroceria em alumínio ou fibra de vidro e são usados os mesmos moldes da fábrica dos anos 60. São fabricadas cerca de 50 unidades por ano. Nos EUA, Canadá e outros países são feitas réplicas utilizando motor Ford ou Chevrolet. A PGO francesa também fabricou a serpente americana respeitando também as origens do esportivo. Nos Estados Unidos foi fundada a Shelby no final dos anos 90.  

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Sob a supervisão de Carrol produz os modelos em pequena série e são impecáveis. Produz os modelos CXS 8000 (versão mais civil), CXS 7000 e CXS 4000. A mais potente com motor V8 de 7,0 litros e 400 cavalos! Vários outros não autorizados são produzidos. Uma vez Carrol disse: Se a cada modelo produzido fosse doado um dólar para sua fundação, Carroll Shelby Children's Foundation, que trata de doenças cardíacas em crianças em Dallas, seria já uma grande contribuição. Há vários patrocinadores, mas mesmo assim seria muito interessante mais investimentos. Ela foi fundada após seu transplante de coração muito bem sucedido em 1991. Todos os anos há um tributo a Carroll Hall Shelby com uma exposição de suas criações no Texas.

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 A Volta e a despedida

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Uma empresa inglesa especializada na restauração dos AC Cobra adquiriu os direitos de fabricação da AC em 1987. E começou a produzir os carros com motores Ford 302, 351 e 427 todos com injeção eletrônica para atender as normas antipoluição de vários países. Em 1997 a empresa mudou de mãos e apresentou um modelo 427 com compressor volumétrico. Em 2004 a primeira empresa tornou a fabricar em outro país situado no mar mediterrâneo. Produziu cerca de 50 modelos com carroceria em alumínio muito bem feitos. Depois passou a usar materiais mais nobres como o carbono. Por volta de 30 modelos MK IV CRS foram construídos. Infelizmente a empresa não foi bem sucedida. Hoje vários modelos estão inventariados pela Associação inglesa AC Owners Club.

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Carroll Shelby Children's Foundation

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Uma vez Carrol disse:  Se a cada modelo produzido fosse doado um dólar para sua fundação, Carroll Shelby Children's Foundation, que trata de doenças cardíacas e outras para crianças em Dallas, seria já uma grande contribuição. Há vários patrocinadores, mas mesmo assim seria muito interessante mais investimentos. Ela foi fundada após seu transplante de coração muito bem sucedido em 1991. Todos os anos há um tributo a Carroll Hall Shelby com uma exposição de suas criações no Texas.

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Nas Telas

No filme Ford Versus Ferrari o Cobra aparecer muitas  vezes. Veja um trecho

Texto, fotos Retroauto, fotos de divulgação do site. Montagem Francis Castaings                                                                                       

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